20 dezembro 2011

"Nunca falei não, eu falo agora, agora eu falo"

da graffiti 6, de 1999
 
A noite começou quando o Pablo chegou na casa do Rafael, depois do trabalho. Algumas conversas animadas e a expectativa da entrevista no dia seguinte, uma fumaça. Repassaram algumas questões que deveriam ser colocadas. As passagens compradas, ainda restava algum tempo até a partida. Foram tomar uma cerveja no Antoniu´s, pra fazer hora e embalar o sono no caminho. Eram umas nove horas quando o Kaká, historiador e contador de casos exagerados, chegou e se juntou a eles no balcão espremido. A animação de ir ao Rio de Janeiro e encontrar o Grande Bruxo foi contagiante. Os dois convenceram o Kaká de desistir o fim de semana por aqui e ir pro Rio também. Ele deu um telefonema e descolou um lugar pra ficar. A cerveijinha acabou de convencer. 
Venderam as passagens e só então foram arrumar as mochilas. Ainda encontraram dois amigos e passaram na casa da Prima. Era meia-noite e os três, dentro do velho Chevette, partiram para o Rio. Às seis da manhã eles chegaram em Copacabana e a noite acabou. No dia seguinte, após uma outra conversa, também animada, na casa do amigo Luís Carlos, partiram novamente com destino a Jabour, bairro do Bangu, zona norte do Rio, onde mora, recatado, Hermeto Pascoal. Erraram o caminho e gastaram uma hora e meia até chegar à casa, mas acharam. Um pouco tímidos, bateram à porta. Diante dos três mineiros, surgia a figura única de Hermeto Pascoal, com seus cabelos alvos e sua aura de duende. Os olhos apertados e o sorriso largo no rosto cativaram todos. Daí pra frente foi só alegria. Hermeto diz tudo e a conversa (entrevista jamais) foi franca, direta e interessante. A lucidez deste nordestino, músico universal, impressiona. Os três quase não abriram a boca, comovidos com as palavras, os gestos, a generosidade e a sinceridade de Hermeto. Os trechos da conversa estão aí pra quem se interessar, do jeito que ele falou, com a lógica de Músico porque “pra tudo tem uma lógica”.

Lá em Lagoa da Canoa eles me chamam de Sinhô, Sinhô do Pascoal e da Divina, que são meus pais. Da minha geração, ninguém consegue me chamar Hermeto. “Ô Hermeto, me desculpe, mas é Sinhô mesmo, só sei lhe chamar de Sinhô”. Nasci em Lagoa da Canoa. Eu nasci num bairro, que hoje é bairro, fizeram mais uma casa, então é bairro. Chama Olho d’Água da Canoa, mas como me criei em Lagoa da Canoa, e até a documentação toda é de Lagoa da Canoa, então eu sou de Lagoa da Canoa. Lá tem uma lagoa muito grande. Inclusive, como o lugar era pequeno, a lagoa era maior que o lugar a bem dizer de tão pequenininho que era o lugar, é pequeno mesmo. Lá era um povoado. Fica no Estado de Alagoas, perto de Arapiraca. É por isso que tem o nome de Lagoa da Canoa em vez de chamar Canoa da Lagoa, chamava Lagoa da Canoa por causa da lagoa. Agora não, agora é cidade. Eu fui para lá há uns cinco anos ou mais, fui para a emancipação. Eles fizeram uma festa, eu reconhecia todas as pessoas do meu tempo, até o homem que vendia queijo. Vi todo mundo e eles ficaram admirados, e todo mundo me chamando de Sinhô. Hermeto não existe. Quando eles me chamavam de Sinhô, eu olhava a fisionomia das pessoas e reconhecia todo mundo. Fiz um show lá no meio da rua, na rua da feira, onde eu tocava. Meus primos lá tinham um caminhão, abriram a carroceria, nós fizemos como se fosse um palco e fizemos um som lá. Tenho muita gente lá, primos, pai e mãe não, pai e mãe estão no céu, família, sim, primos. Comecei a fazer música justamente em Lagoa da Canoa.
Eu sempre digo que a minha idade de músico é a minha idade cronológica também. A minha música começou no meu cordão umbilical. Foi quando eu nasci, o meu primeiro som foi esse, considero esse. Quando eu fiz 60 anos, fizeram uma festinha para mim e queriam saber quantos anos de música eu tinha. Eu falei: "60 anos". Na época eu ia fazer 60 anos, hoje tenho 63, que são 63 anos de música. Não abro mão do dia que eu nasci, não abro mão de ser o primeiro dia de música. Não de teoria, que muita gente fala que teoria é música. Teoria não, música é música e teoria é teoria. A teoria é uma coisa e música é outra coisa. A teoria musical eu vim aprender depois de meus 35 anos de idade, aprendendo com a vida, sem escola sem nada. Nunca estudei com nenhum professor. Infelizmente, porque isto me tomou muito tempo, aprendo as coisas com deduções, porque Deus fez o mundo bem feito, tem uma lógica para tudo. Não tem esse papo de "isso não tem lógica". Quando não tem lógica é porque não existe. Outros confundem lógica com padrão. Tá errado! Padronizar as coisas não tem nada a ver com lógica.
Eu comecei assim a minha carreira de música: Eu comecei a tocar no mato tudo que tinha de coisa porque na minha terra não tinha luz elétrica. Então a gente inventava. Eu inventava muito. Foi bom que desenvolvi esse lado, você vê essas coisa que eu faço hoje em dia com percussão, toco com tudo, eu já tocava quando era criança. Brincadeira de criança que a gente chama. Então, o quê que aconteceu? Eu ia pro mato, meu pai me levava pra roça. Eu ficava debaixo das árvores, por causa que eu sou albino e me queimo muito no sol. Aí, botava o carro de boi na árvore, ficava em cima do carro de boi e ele ia buscar ração para os bois. E ele dizia: "Não saia daí de cima". Por causa do sol. Aí eu corria quando ele saia e arrancava um canudo de mamona, aquelas de mamoeiro. Pegava a mamona fazia flautinha, fazia uns negócio, pra tocar, brincar. Coisa de criança. Mas acontece que eu já tinha mesmo musicalidade. Tanto, que os Passarinhos, eles vinham, onde eu tava tocando, eles vinham. Eu sabia chamar os Passarinhos com o som. Aí, passei a tocar flautinha no mesmo lugar. Então quando, era naquela Árvore que meu pai sempre ficava lá, eu chegava debaixo da Árvore que eu tocava, dava uma nota na flautinha. Meu pai chegava e dizia: "Meu filho, quanto passarinho". "Pois é, a Música", eu dizia. Isso com sete, oito anos de idade, pequinininho, né? Aí foi que eu comecei a tocar mesmo. Meus instrumentos do mato.
Lá no Norte, tem um ditado que diz "eu me entendi de gente". Entendi de gente é quando a gente tá grande já, sabendo. Você começa a analisar suas coisas de criança. Foi quando eu comecei a ver esse lado todo, o lado dos animais, que eu conversava com os animais, naturalmente. Eles entendiam tudo, a gente se entendia. Eles me entendiam porque eu via a ação deles, depois que a gente conversava. Eu ia no meu Cavalo, (eu tinha meu Cavalo pra eu andar porque como eu não enxergava bem, meu pai me dava um que ele sabia que o Cavalo não ia vê uma Égua, não ia sair atrás da Égua, correndo, pra não desembestar. Só que meu pai não sabia que eu gostava desses Cavalo Doido. Ele não queria, mas eu pegava escondido. Depois de grande foi que eu vi que ele tinha cuidado certo comigo) e eu conversava com ele. Eu batia assim nele. Ele andando, eu batendo nele assim e conversando com ele: "É, já tá pertinho, né? Tamo chegando". Dizia pra ele tudo direitinho, o Cavalo fazia com a orelha. Eu sabia os sinais. Por exemplo: Quando o Cavalo via uma visage. O quê que é uma visage? É uma visão, uma coisa espiritual, uma energia. Que o animal é muito sensível. A gente põe eles no lugar errado, acha que o animal não tem espírito. É conversa fiada. O espírito deles é tão elevado quanto o nosso. As religiões não admitem isso. São Burros! não aprenderam com a vida. (Não é domar não. Não é como eles fazem no circo, isso aí tinha que ser proibido. O Elefante andando num cabo de coisa, mostra que é inteligente, claro. Tem muita gente dizendo por aí que é inteligente, que é racional, e que não vai se equilibrar num cabo de coisa. Mas o coitado, o que ele apanhou para fazer aquilo ali. Não precisava). Os Sapos... Os Sapos são gênios! São gênios, escondidos, excluídos por nós. Os sapos já dão a aula do que é orquestração natural. Eles são gênios, os Sapos, os Pássaros. Deus botou os animais como o espelho verdadeiro da vida. (Nós exageramos mais do que os animais, estamos mais nus hoje em dia do que os animais, na televisão em cima dois tapetes, então você vê que está... Não sei não nós estamos tomando o lugar deles. Por isso que não precisava trazer os animais pra cá, pro centro da cidade). Isso pra responder a pergunta do instrumento E O PORCO PAROU DE COMER
O Porco. Eu estou misturando tudo pra você ver. O Porco é tido como rude, talvez o animal mais rude que tem. Mas é aquele negócio, você tem que ver onde está a coisa. Se nós somos mais inteligentes, então temos a obrigação de entender mais do que eles a gente. Aí que vem a história. Quando criança, eu já sentia isso ao tal ponto de saber o quê que o Porco gostava mais. Então pegava, às vezes, um instrumento grande, porque tem aqueles Porcos grandes. Barranco, que a gente chamava. Não, ele não queria não. Ele queria justamente um instrumento médio. Eu pegava um talo de abóbora. (Você pega corta, você arranca um talo, tira as folhinhas todas e não deixa furar não, porque você vai ter de rachar no meinho com uma faquinha, com cuidado, aquele talo de abóbora , racha ele assim e sopra como se fosse aquelas gaitas escocesas, empurra no céu da boca, que fica aquele som assim, de céu da boca, como gaita escocesa). O Porco, você toca aquilo ali ele pára, ele não vem atrás, porque realmente ele é muito nervoso. (O estresse acho que tá mais no Porco. É por isso que quem come muita carne de Porco, passa um puta estresse. O Porco é um bicho que já nasceu assim, estressado). Então, eu já vi essa coisa tudo quando eu era criança. Quando eu tocava, eu queria ver: "Todos gostam de som, porque esse Porco desgraçado não gosta?". Eu deixava primeiro meus tios saírem, porque eles não queriam, achavam que eu ia mexer com os bichos. Quando eles saiam: OHHH!!!!. Os-Bichos-Paravam-de-Comer! Ele fazia assim: (botava aqueles focinhos cheio de .. a gente dava muito, pra eles, resto de comida, feijão com farinha. Então eles botavam aqueles focinho assim, cheio de feijão com farinha) "Que coisa é essa? Quê isso que cê tá fazendo aí?" Você sentia a felicidade dele. O Porco parar de comer? Ele dava com o rabinho pro lado assim. Você empurra ele, é a única hora que ele não corre. Você passa perto dele e ele não sai, ele se contorce assim e não larga a comida. Com o instrumento, que tem um som parecido com saxofone, puríssimo, ele parava. Hoje em dia, eu posso fazer com sax soprano, pode pegar um sax soprano e ir lá pro Porco e o Porco vai delirar com você. Daí fui que eu fui vendo os instrumentos. No mato era eu, era eu com os Passarinhos. Até hoje eu vou pra qualquer lugar e chamo Passarinho. Isso porque eu fui criado assim, sem luz, sem nada. Na feira escutava alguma coisa que chegava na época, do Luiz Gonzaga. Chegava naqueles microfones lá que tinha... você pagava um cruzado pra rodar uma vez, pra escutar. Nunca paguei porque os outros ficavam escutando e eu ficava perto, do lado.Bom, daí foi que veio a idéia do meu pai. Meu pai tocava, era músico também, tocava oito baixos. Minha família toda tocava, tocava oito baixos. Meu pai ia trabalhar, deixava o harmônico dele debaixo da cama. Meu pai era agricultor, ele não gostava de ver o sol nascer em casa. Ficava o dia todo, só voltava às seis da tarde. Então pegava na sanfoninha dele. Não era profissional nem nada. Bom, um belo dia, a mamãe escuta, entre dez e meia e onze horas, (lá o relógio de lá, na época, era na pedra, batia na pedra pra poder você saber a hora. Nem todo mundo tinha um relógio. Quem tinha um relógio, ave Maria, era o rei. Não é que não tinha dinheiro. Tinha dinheiro, mas não tinha relógio. Comprar onde? Geladeira? Não tinha luz). Aí, minha mãe começou a escutar aquele som e tal, foi correndo, mas: "Ué? O Pascoal já chegou?" Quando ela chegou lá na porta, olhou pela brechinha e estava lá eu tocando. Eu falo isso, foi eu e meu irmão. Aconteceu a mesma coisa com o meu irmão, que faleceu. O Zé Melo, pianista. Eu vou falar eu porque sou só eu mesmo. Ai minha mãe escutou e ficou emocionada, ficou emocionada. Esperou papai chegar, ele chegou às 6 horas, que era mais ou menos a hora que ele chegava, a hora que o sol ia se pondo. Aí ela: “Pascoal, tenho uma notícia para te dar. Você vai vir amanhã, agora você venha, porque e estou escutando um som aqui mas não sabia de onde vinha. Eu pensava que era você, mas não vou nem te falar o que é. Você venha amanhã 11 horas, depois você volta para roça se quiser. Mas venha de caladinho, de ponta de pé”. Aí papai foi embora, normalmente. Eu lá fui pro harmônico tocar. Aproveitava, escondido dele. Aah, Bicho!! Quando ele chegou da roça e me viu tocando... É a alegria, né? Já tocando e começando a tocar bem, aí ele chegou para minha mãe e disse assim : "Deixa ele parar de tocar". Aí eles esperaram eu parar de tocar, que já estava na hora. Minha mãe disse: “Meu filho, tá na hora de comer, hora do almoço”. Aí, quando eu cheguei, meu pai estava lá. ”O senhor aqui agora?” Isso quem estava falando era menino de sete para oito anos no máximo. Ele disse: “Eu escutei uma pessoa tocando aí”. Eu já fiquei com medo, achando que ele ia...“Não, não meu filho não fique não, você vai agora é tocar, papai vai comprar um para você, eu vou vender aí uma vaca, um boi, para comprar um bonito para você. Esse é o meu, mas você vai ter o seu, pronto". Aí comprou um harmônico com oito baixos. Quando foi com um mês, dois, ele já queria parar de tocar. Ele já estava com vergonha, eu e meu irmão, piquinininhos, tocando mais do que ele.

Acabou a gente indo tocar para fazer baile, ganhando dinheiro para fazer baile e papai sendo o nosso empresário. Eu fui pro Recife, a gente formou este trio chamado O Mundo Pegando Fogo, com o Sivuca. Foi uma vez que a gente tocou. E eu continuei tocando minha sanfona, tocando oito baixos. Mas, em Recife, passei a tocar sanfona. O dono da rádio comprou uma sanfona pra gente, para mim e outra pro meu irmão. Aí nós ficamos tocando, tocando. Tocamos um tempo, aí nós nos separamos, foi um para cada lado. Um foi para Garanhuns, o outro para Caruaru. Fui pra Caruaru porque o dono da rádio achava que a gente não ia dar para isso. Me mandou para Caruaru porque eu não dava para a música e mandou meu irmão para Garanhuns porque ele não dava para a música. Nós dois. Só pra cumprir o contrato, que a gente tinha um contrato. Eu tinha 14 anos, meu irmão tinha 15. Então eu fui pra Caruaru. Depois, com um ano e pouco, o Sivuca, que era sanfoneiro de lá do Rádio Jornal do Commercio, foi lá passear e eu estava tocando. Ele me escutou no rádio e disse: "Quem é esse sanfoneiro aí? ele está dando uns acordes modernos, tronchos". Aí o gerente da rádio, o Seu Luís Torres, disse "É aquele galego que me mandaram para cá de Recife, pra terminar o contrato, que disseram que não dava para músico, o outro também, foi para Garanhuns". Aí o Sivuca: "Aah! É o Hermeto e o Zé Neto. Pois meu senhor, esse menino aí, você faz assim, você dá ... Quanto é que ele ganha por mês?". "Tá ganhando 500 contos". "Se você não passar pra mil logo, você vai perder o menino". Aí a rádio chegou e aumentou logo a metade do meu salário. Aumentou e eu já estava com meu nome assim "O Maior Sanfoneiro do Agreste". Essa coisa que o Sivuca falou, eu nunca falei não. Nem lá. Nunca falei nem ninguém falou. Nunca falei não, eu falo agora, agora eu falo. Voltei pra Rádio Jornal do Commercio, a mesma rádio que me mandou pra Caruaru, só pra terminar como refugo. O meu irmão ficou com raiva e não quis voltar não. Luís Gonzaga deu uma oportunidade pra ele ir pra São Paulo. Ele foi e eu fiquei no Recife. Mas, na minha cabeça, era só mostrar pra esse cara, sem raiva dele, que ele me fez um bem, não me fez um mal. Ele se arriscou, ele podia ter feito um mal se eu fosse em cara que não tivesse a força que eu tenho. Eu poderia ter me dado mal, ter ficado desgostoso. Escutar um negócio desse com 14 anos de idade... Daí continuei tocando minha sanfona, ganhando três vezes mais do que eu queria. Fiquei mais uns três anos na rádio. Depois fui convidado pra ir pra João Pessoa, tocar piano e acordeon lá no regional. Mas eu não tocava bem piano, piano eu estava tateando. A primeira vez que eu toquei piano foi com o Heraldo do Monte, mas não continuei no piano, continuei na sanfona. Vim me embora pra São Paulo, Rio de Janeiro pra tocar sanfona. Toquei aqui na Rádio Mauá, foi meu primeiro emprego no Rio.Com as Gravadoras, eu já rompi há muitos anos, já comecei rompendo. O primeiro contrato que eu fui assinar era na Continental, com um produtor de disco e os produtores eram donos dos músicos. Quando eu fui convidado pra gravar, pra mim era uma grande chance, uma oportunidade de gravar, as minhas músicas todas debaixo do dedo para tocar. Quando eu chego lá, tava lá uma lista, um papel com um monte de nome de música. Aí ele pediu para eu sentar e começou a ler e disse: "E agora? Está bom essas músicas aqui?" Eu digo: "Pra que?" "Já escolhi as músicas pra você gravar". "As minhas músicas, o senhor me desculpe, mas, modéstia parte, quem escolhe sou eu. Isso aí que o senhor me falou, não são músicas, são letras. Tá muito ruim, quadrado. Isso aí eu toco na noite algumas vezes, uma ou duas dessas". "Mas menino!!" E eu estava na faixa dos 20 e poucos anos. "Mas menino!! Você vai perder uma chance dessas de gravar na Continental?" Eu digo: "Porque eu vou gravar? Porque eu sou bom músico ou não?" "É, mas você tem que escolher música conhecida". Eu disse: "Mas eu quero ficar conhecido, se eu tocar música conhecida eu não vou ficar conhecido. Eu quero que as minhas músicas também fiquem conhecidas e que eu fique conhecido através das minhas músicas. Se for assim eu gravo, se não for assim, eu quero lhe agradecer, desculpa, mas eu não quero gravar nunca, não é só hoje não. Não quero que ninguém me convide, pode avisar para todos seus amigos empresários, diretores, que eu não quero gravar nunca a não ser as minhas músicas e como eu quero tocar. Não abro mão do jeito que eu quero gravar. Quem me chamar para gravar com alguém, tem que ser como eu quero tocar. Não estou precisando de nada, não quero nada". Todo mundo sabe que o músico é o mais duro, quem não é? Eu era um deles, um dos mais duros. Quanto melhor, mais duro. Essa é a realidade. Qualquer músico aí que faz essas merda aí, ganha mais do que nós. Qualquer jornalista contratado de gravadora ganha muito mais do que vocês. E vai ganhar sempre. Se você quiser ganhar você também vira a casaca. Nós temos o orgulho de dizer que nós fugimos do dinheiro. Não é porque não queremos, nós sabemos como ganhar, mas não queremos ganhar assim. Feliz, qual é o rico feliz? Eu não quero nunca que o meu valor seja pela minha riqueza material, quero que o meu valor seja pela minha riqueza de Notas Musicais. Que seja pela minha riqueza da Alma, do que eu faço, do que eu sei fazer. Então, a minha riqueza é essa. A riqueza mais linda do mundo é aquela que você leva com você para onde você vai, ou na terra ou no céu, que é a riqueza do Dom. Daquilo que Deus dá para você abraçar para você fazer fielmente aquilo. Essa é a riqueza. As nossas religiões são os nossos trabalhos. É o que nós viemos para fazer. O Negócio é tudo Vaidade. Quando fui aprender teoria, um grande amigo meu, o maestro José Gomes, lá de Caruaru, ele disse: "Vou levar você lá para estudar música". Eu tinha 16 anos. Ele me levou para estudar música, com o professor chamado Mestre Laranjeiras, era violinista. E eu fui, com aquela vontade de aprender. (Eles diziam aprender música e música não se aprende, se aprende é teoria musical. A música você já nasce com ela, tem o dom musical. Aprender teoria qualquer um aprende, não precisa ser músico, nem ter aptidão musical, nem nada. Qualquer um pode tocar um instrumento, é só aprender teoricamente. Mesmo quem não tenha o dom musical toca um instrumento. Pode tocar mal, pode até tocar muito bem e ser um grande técnico. Tem grandes músicos que tocam aí muito bem e que se tirar o instrumento da cabeça deles é como tirar os óculos dos olhos. Esse não é músico, é um teórico). Quando cheguei lá, o cara me viu e falou: “Esse não dá, esse não enxerga não, como é que eu vou ensinar para ele?”. Já fiquei com raiva dele. Aí eu pedi para o meu amigo José Gomes comprar para mim um livro de música. E o Zé Gomes disse: “Mas você não enxerga, Hermeto, como é que você vai ler?” Eu disse: “Eu vou ler, Bicho, pode comprar que eu vou ler de qualquer jeito. Vou botar o nariz em cima, eu vou ler, eu quero mostrar para esse cara. Aí o cara chegou e comprou o livro lá. Eu me lembro que o livro se chamava Alencar Terra, um livro de um acordeonista, se não me engano, era italiano. Naquele tempo era cheio de acordeonista, todo mundo tocava. Quando eu peguei no livro e vi as manchetes, aquelas letras grandes, estava escrito assim: “Primeira lição: Breve. A breve vale oito tempos”. Breve, que diabo é breve? Mas eu não sabia o que queria dizer tempo. “Semi-breve vale quatro tempos”. (Como tinha um cara lá na minha terra que via esse negócio de tempo, de chuvada, ele botava um aparelho no quintal dele para dizer se ia chover ou não. Eu já fiquei em tempo de falar em chuva. Te juro, é inocência, né?) Aí eu olhei, tinha a figura. Quatro tempos, mas tinha uma bola, aquela bola branca, quatro tempos. Depois, lá na frente, eu vi escrito “Mínima”. “A mínima vale dois tempos”. Tinha uma bola branca e tinha uma hastezinha. “Vale quatro tempos”. Aí eu já fui deduzindo. Como eu tinha estudado, eu tinha dezesseis anos, eu já tinha feito o terceiro ano e também não estudei mais, que seria, hoje, o terceiro ano ginasial. Meu amigo, quando eu li aquilo ali que eu vi o que era dois tempos. Aí eu vi o segundo, era aquela C mínima pretinha. Tava lá, “Um tempo”. Aí outra, eu digo: “Ah, então já aprendi”. Quando eu olhei pra frente assim, vi os desenhos tudo direitinho. Aí daquilo ali, eu comecei a deduzir e escrever. O tempo eu já sabia que era ritmo. Quer dizer, quando eu tocava no regional, os caras já diziam: “Toca no ritmo, menino”. É a mesma coisa que dizer assim: “Toca no tempo”. Eu deduzi. Aí que eu vi que não valia a pena continuar muito na teoria, agora porque a teoria ia me atrapalhar. Eu deixei completamente pra lá a teoria. Na hora de vim me embora pro sul sem saber nada, eu sabia só isso que eu tinha visto. Depois eu retomei, depois que eu já tocava bem os instrumentos, que a teoria não me atrapalhasse nada, para eu usar a teoria, pra me acrescentar. Quando eu tinha meus 50 anos, eu falei com a minha esposa que estava um pouco preocupado porque estava todo mundo achando que eu não sabia o que eu sei. Todo mundo tinha alguém que ensinou e eu já estava cansado de dar desculpas porque estava consciente que não. Eu também gostaria de ter um professor Aí chegou na minha cabeça de que eu estava órfão. Eu era um órfão, comparando com aqueles caras que ficam procurando pai e mãe e eles não sabem quem foi o pai e a mãe. Eu não tenho pai musical. Aí aquele negócio da minha imaginaçao que me acompanha a vida toda. Eu passei a acreditar cada vez mais e lancei um disco chamado Lagoa da Canoa, que eu botei na capa assim: O meu professor é o meu dom. E o nome do meu dom, claro, todo mundo tá vendo que é Deus. Eu aprendi com a vida. Eu ficava nervoso mesmo. Como é que eu vou provar pra esses caras que eu escrevo pra sinfônica, pra qualquer tipo de instrumentação e ninguém me ensinou nada? E até hoje eu fico pensando. Agora eles me aceitam porque eles tentaram me desafiar e não conseguiram. Porque eu vou com os arranjos pra eles tocarem e eles não tocam e eu gravo lá fora. Lá fora, a concepção é outra. Ninguém quer saber quem é autodidata, se é autodidata tem mais valor. O autodidata é o verdadeiro músico.
Meu discos estào sendo pirateados pelas Gravadoras. As minhas Gravadoras lançam os meus discos e não me dão satisfação. Digo isso porque provo. Nenhuma delas tem um recibo assinado por mim lá, deles pedindo uma autorização para lançar meus discos. Eu sei que as músicas são deles, mas para todos discos eu tenho direito autoral. Eles recebem de novo e porque que eu não recebo? Eu já falei: PIRATEIEM MEUS DISCOS. Comprem meus discos aí e doem para os amigos. Se quiser comprar, venda também. Agora, baratinho. Não sacaneie os caras. E vão botando o Hermeto pra tocar. Eu quero é tocar, não toco em lugar nenhum. Não toco em rádio, pirateiem, vendam. Quem está dizendo sou eu. Meus discos todinhos. Esse novo não. Esse está saindo agora, é um disco que não foi feito pensando em nada. A Gravadora é a Rádio Mec. A Mec é uma rádio pobre também porque é do governo, é pobre. Nós queremos a cultura. Mas se eles não tocarem, vende, vende também. Se não tiver o disco, eu dou essa porra também. Eu quero é isso. Pirateiem os discos do Hermeto, estou mandando piratear, eu assumo. A Gravadora não pode dizer nada porque me deve. Todas são Ladras, estão me roubando e vão me roubar até eu morrer. Não estou com raiva não, não vou ter tempo pra ficar com raiva disso. Eu não gosto de dinheiro, eles gostam, tanto que eles fazem isso. Agora eu estou falando em nome de muita gente aí que está calado e não diz nada. Eu nunca recebi mil reais no Brasil, já assinei 70 recibos no Ecad de Brasília e nunca foi mil reais. Da editora na França eu recebi seis mil reais da primeira vez. Aqui, a Rádio Mec fez cinco mil discos, mas não tem distribuição. Se tivesse distribuição, vendia. Eles falam, anunciam na rádio dizendo: “Nas boas lojas”. Que boa nada, tem que vender em qualquer lugar, vendeu, é boa. Mas estou contente porque o trabalho está bonito.

DE PANDEIRISTA PRA PANDEIRISTA
Quando eu conheci o Jakson do Pandeiro, ele não tinha o nome que ele tinha como cantor, nem ele nem a Almira Castilho, eles não eram conhecidos ainda, depois sim. Ele ficou conhecido depois que ele conheceu a Almira Castilho. Mas o Jakson do Pandeiro, na Rádio Jornal do Commercio, era panderista. Ele não era cantor. Depois ele passou a ser o cantor. Quando ele veio pro Rio, ele já veio cantando, ele já era sucesso em Recife. Mas quando eu cheguei lá, que eu cheguei com 14 anos, não. Agora eu falo algumas passagens da minha carreira com o Jakson que muita gente não sabia. E tem muita gente aí que não está acreditando porque esse tempo todo eu não falei. Mas a minha consciência é que fala. Eu não falo pelos outros, eu falo por mim. Eu tocava muito bem o pandeiro. E o Jakson do Pandeiro já estava começando a sair, a largar o pandeiro devagar pra ficar só cantando. E tinha um programa na Rádio Jornal do Commercio que chama-se Felicidade Bate à Sua Porta, que era feito nas ruas. E o Jakson achando eu muito musical, ele vendo o meu futuro, o que aconteceu? Na hora de eu tocar com ele, ele veio embora pro Rio, não peguei a fase áurea do Jackson porque ele veio embora. O Jackson chegou pra mim e disse: "Hermeto", ele não me chamava de Hermeto, me chamava de Sivuquinha, mas ele me chamou de Hesmeto porque Hermeto ele não conseguia. "Hesmeto, se você ficar nesse negócio de tocar pandeiro, você não vai pra frente não. Não vê eu, estou começando a cantar, não vou ficar no pandeiro toda hora não". Eles me escalavam no pandeiro. Invés de colocar assim "Hermeto Pascoal e seu Acordeon", que eu não tocava nada mesmo, eles botavam "Sivuquinha e seu Pandeiro". Aí eu fui lá falar com o gerente e eu garotinho de 14 anos: "Ó eu não vou tocar pandeiro não, o senhor não me leva a mal, mas o meu coontrato aqui é pra tocar sanfona". Falei assim mesmo. Ele disse: "Mas você não toca nada ainda, você está aprendendo". Eu disse: "Se eu for tocar pandeiro eu não vou aprender a tocar sanfona". Ele me achou muito malcriado e me deu 15 dias de suspensão. Eu disse: "Minha terra é longe daqui, o senhor me dê 30 dias pra dar tempo eu ir na minha terra e descansar um pouco. Aí ele me mandou pra Caruaru e meu irmão pra Garanhuns. Você vê que o Jackson teve a ver com isso.

ALBINO LOUCO ACERTA TROMPETISTA
O meu encontro com Miles Davis lá, quando eu fui lá pela primeira vez, convidado pelo Airto Moreira e a Flora Purim. Fui fazer um trabalho de compositor, de instrumentista e de arranjador. Eu fui fazer com o maior prazer, fui mostrar o meu trabalho. Já estava bastante conhecido no Brasil quando eu fui. O Airto tinha me dito que ele era um cara chato, que, se ele não gostasse da pessoa, ele mandava a pessoa se retirar. O Airto tinha medo dele. Quando eu fui no show dele, ele chegou rápido e começou a tocar. Aquele jeitão dele, meio carrancudo. Eu não conhecia ele. Por causa da minha vista, eu não gravo fisionomia de homem ,não. Então eu não lembrava como ele era. Aí chegou aquele cara perto de mim e falou umas coisas, veio falando comigo, meio rouco. E eu não falo inglês, até hoje não falo. Aí eu já tinha dito pro Airto ou pra Flora, pra quando eles vissem alguém falando comigo, que eles me viessem me socorrer pra eu não ficar nervoso. Aí veio o Airto correndo, mas ele veio assustado e disse: "Você sabe quem está aí, é o Miles", como quem diz "Pô, que milagre o cara vir conversando com você sem lhe conhecer, sem nada". Aí eu falei que conhecia muito a música dele, que eu admirava o trabalho dele, aqueles papos, né? Aí ele falou pro Airto que queria conhecer a minha música. Não é qualquer um, você tem que acreditar em alguma energia celestial. Isso foi antes de começar o show. Eu acredito nisso, senti um vibração bonita dele. Aí ele fez o show dele, eu assisti o show, depois eu fui em um, dois, três shows. A música dele eu não achava boa naquela época, aquela música que ele fazia, aquele rock. E ele sentia em mim isso, ele sentia que eu estava fazendo aquilo lá que ele gostaria de estar fazendo. E eu senti nele isso. Isso com a alma, com o coração, com tudo. Aí eu fui fazer o meu trabalho e deixei pra lá. Mas ele aí me ligou e disse que queria me ver de qualquer maneira. Aí lá vem o Airto com medo de me levar e chegar lá e ele não querer me receber. Eu disse: "Airto, deixa, o que eu estou sentindo aqui e diferente do que você está sentindo. Você quer passar pra mim uma coisa ruim? Você quer que eu fique com raiva do cara? Ou você está com raiva dele?". Quando eu cheguei lá e tal, levei um violão, ele se sentou, toquei um monte de música, cantando e solando as minhas músicas. Quando acabei de tocar ele chegou e disse: "Que pena, que eu não posso gravar todas as suas músicas!". Aí eu falei: "Mas como você sabe que eu quero te dar todas pra gravar, eu vim também pra gravar aqui. Eu vou escolher as que eu quero te dar". A partir daquele dia houve aquela simpatia geral. Ele já me apelidou logo e disse: "Você é um Albino Louco", começou a me tratar de Albino Louco. Ao ponto de eu ir pra casa dele e a gente ia lutar boxe. Uma vez eu dei uma porrada nele, errei e dei uma porrada nele. Uma vez eu dei uma entrevista na Rádio França, de uma hora em meia, e o repórter me perguntou: "Hermeto, você está disposto a responder uma pergunta que vai ser chata pra você?". Eu disse: "É ruim ou é boa?". Ele disse: "É boa". "É pelo seguinte, o Miles Davis esteve aqui dando uma entrevista pra mim e eu perguntei pra ele se, quando ele morresse, ele gostaria de ser músico? Aí ele falou que gostaria de ser Um Músico que nem o Hermeto Pascoal". Isso, agora eu que estou falando, se eu, Hermeto, não tivesse o nome que eu tenho, ia parecer chato, mas não fica porque é a minha consciência que diz. Quando eu soube disso aí, eu disse pro cara também: "Se eu morresse eu gostaria de ser um músico como ele". Mas, pelo jeito que ele falou, ele deu a entender que ele gostaria de ser melhor do que ele foi, que teria que ser como o Hermeto. Aí me encabulou muito. O Gil Evans foi receber um prêmio lá em Nova York de melhor arranjador. Eu tenho sorte pra essas coisas. Eu estava fazendo uma temporada com a Flora Purim, o Airto Moreira e o Opa Trio, em Nova York. Aí chegou um pessoal da imprensa lá pra dar um prêmio pro Gil Evans. Um amigo me falou que o Gil Evans estava querendo falar comigo. Eu fui lá. Aí me apresentaram pra um monte de gente lá, tudo em inglês, eu não entendi nada. Depois o meu amigo falou: "Você sabe pra que você foi lá? Os caras estavam apresentando um prêmio como melhor arranjador do mundo e ele apresentou você como o melhor arranjador do mundo". Eu disse: "Rapaz, estou assustado, se eu soubesse eu não teria ido não porque eu não acho". E ele apresentou lá pro pessoal. São coisas que o Brasil não sabe. Se eu tivesse feito um gol num jogo de futebol todo mundo sabia. Mas só por isso eu vou deixar de fazer o que eu gosto? Não. Eu-Sou-Consciente-Porque-Eu-Saio-De-Mim. Eu, pra saber o que eu sou, eu tenho que sair de mim. Eu não posso ficar em mim. Saio de mim como? Eu me transporto pra cima do morro, pra cima de uma casa, pra cima de um poste, pras nuvens, pra olhar pra mim, pra olhar pro Hermeto. Quando falo em mim eu estou falando no Hermeto. Mim, que eu falo sou eu, o corpo, o Hermeto é o Hermeto, é o espírito do Hermeto, tem vários momentos na terra e vai ter muitos como nós todos. Ninguém sente que eu tenho vaidade, que eu estou falando que eu sou o Bom, não. Eu tenho certeza absoluta que eu não sou o Bom, que eu não sou o Melhor, tenho certeza que eu não inventei nada, tenho certeza que ninguém inventou nada, eu tenho certeza que tudo que eu sei e tudo que saberei, é por Intuição. É presente que a gente ganha. A gente não sabe nada, a gente não faz nada, a gente é conduzido a fazer as coisas, com personalidade, com nosso próprio espírito. E não estou dizendo que eu sou espírita, não. Eu sou Músico. Através da música é que eu sinto energia. Eu não acho a música diferente de nada. Se eu tenho cem, completo cem, eu sou o melhor do mundo. Agora, ninguém tem cem. Sabe porque ninguém tem cem? Porque os dias mudam. Porque que a Terra gira? Pra ninguém ter cem. Pra quem quiser transbordar, transbordar e se lascar. O que é transbordar? Beber água demais, enriquecer demais, transar demais, correr demais, ficar famoso demais. Eu sempre segurei o famoso. Jamais eu queria ser famoso porque o famoso acaba sendo o ingrato, um ingrato inconsciente. A fama é que eu não quis. Estou satisfeito com meu reconhecimento, mas principalmente comigo mesmo porque de lá pra cá tem pouca coisa. O meu reconhecimento maior que eu tenho é pela imprensa escrita. A televisão não tem. Tem um reconhecimento embutido, pessoal para cada um. O cara gosta do Hermeto, mas não tem coragem de lançar o Hermeto, nem de falar do Hermeto.
Vou mandar um recado para os músicos: tá na hora dos músicos pararem de reclamar que a música está ruim. A música só está ruim porque os músicos estão tocando mal. Tem muito músico que sabe tocar bem, mas está tocando mal pra ganhar dinheiro, dinheiro de comer, com medo de passar fome. É mais digno ir para debaixo de uma ponte, até ficar lá na rua, do que você vender sua alma. E eu sempre digo isso e é coisa que eu gosto de repetir em entrevista. Não é teimosia, é a realidade. Oh! É aqueles caras que dizem que estão passando fome, mas tem que passar, não tocam nada. Os músicos têm medo de dizer, mas tem que dizer. Nós temos essa vantagem de não ter ética não, você pode falar. Eu digo para o próprio músico: "Você gravou com quem?". "Gravei com fulano, com sicrano". "Pois é, eu não gravo com esses caras, você gravou, o que é que vocês querem?" Às vezes eu critico muitas músicas dos músicos. Mas eu nuncva critico o instrumentista em si. Eu critico o trabalho dele. É a mesma coisa que o Ronaldinho não estar jogando bem, a imprensa não tem que falar bem, tem que meter o pau. É construtivo, eu acho. Agora se o músico está tocando mal e eu sei que ele toca bem e está querendo tocar mal, é pior do que aquele cara que não toca bem, que não alcança. Eu não digo nada, chamo ele e digo: "Você não quer aprender a tocar?" Pra ele, não pra imprensa, pra ele, quietinho, dou um conselho. Agora pro cara que toca bem e está aí fazendo coisa, realmente eu não posso deixar de....
Essa música com o Miles foi o seguinte: além daquela história que eu já contei, eu pulei uma que eu vou contar agora que aconteceu agora, depois dele lá no outro plano. Eu gravei no disco do Miles Davis duas músicas minhas e saiu que o Miles tinha roubado as minhas músicas. Saiu mesmo o nome dele nas minhas músicas. Mas jamais eu, pelo conhecimento que eu tenho com ele, jamais ele ia fazer isso comigo, nem com ninguém. Musicalmente jamais. Então eu falei com toda imprensa do mundo, porque o mundo inteiro me perguntava e já hoje em dia ele já sabem disso. Mas o que aconteceu: quando eu fiz essa gravação, o Miles Davis, por ser um gênio, um cara tão musical, ele aprendeu essas músicas minhas, eu não precisei escrever partitura nem nada. Eu escrevi partitura somente pros músicos que tocaram na época: que foi o Dave Ahola, que tocou contrabaixo.... (corta) Então a partir disso aí, quando eu vim para o Brasil, que o Miles faleceu... É como eu sempre falo, a gente tem muito mais oportunidade espiritual, de intuição. A coisa se aproxima muito mais. Ficou na minha cabeça que eles ficam me pedindo pra tocar, fazer música. Fica aquela coisa toda. Então eu tava compondo essa música (do disco, que eu sei que vocês vão ler a revista e vão comprar depois: compre o disco, ligue para a rádio MEC do Rio.) Aí... (Se eles não derem o endereço eu não dou também não, que eu tô trabalhando sozinho, Aí é demais.) eu me imaginei, que quando eu tava tocando a música falando para o Miles Davis, eu assobiei nas duas faixas. Ele aprendeu gravando essas músicas no estúdio, e ficou. E eu tocando o Hammond, teve uma hora que ele parou, que eu estava tocando num órgão elétrico que ele tinha lá, horrível, mas na hora eu descobri um som no instrumento, mas justamente na hora que eu não tocava com teclado, antes de começar a gravação, eu aumentei o volume e o som veio pela intuição… Uáaa, Uáaaa... Aí o Miles correu de lá e disse: "oh, que som, que coisa bonita isso aí". Então nesse meu disco agora, que eu fiz essa música e dediquei a ele, como eu estou tocando flugelhorn, agora, quis homenageá-lo, retribuir, que eu acho que aquele convite que ele fez no disco dele foi uma homenagem para mim. Eu acho que foi, muito bonita. Então o que acontece, quando eu estava compondo esta música aqui eu não pensei em compor nada pra ninguém, nem para ele nem para ninguém eu não premedito as minhas coisas. Eu comecei a tocar a música e comecei a achar muito parecido com ele, porque eu não faço música para ninguém, eu dedico para as pessoas, porque tem música que parece com as pessoas, como na fotografia. O Caca tá aqui me vendo e ele sabe que é assim . Tem música que parece com fotografia. Então é o que eu acho, tem músicas parecidas com aquelas pessoas então eu dedico àquelas pessoas. Tem pessoas que se assustam comigo ao ponto de dizer "Pô mas você não me conhece mas está me dedicando a música." Pois é mas você é parecido com esta música aqui. Qué ou não qué. "É eu gosto. Bom aí o que aconteceu, dediquei para ele , mas me comunicando muito com ele espiritualmente. Comecei a tocar e sentia muito a presença dele na minha mente. Ai, ai, ai, ai, ai, né. Na gravação é que estava muito mais forte a intuição, né. Aí primeiro eu fiz essa gravação, eu gravei... você pode ver que começa com a capela só com os flugelhorn com os quatro flugelhorn e aquilo ali eu fiz depois, que é a introdução ali mas eu fiz depois, botei como introdução porque eu quis mostrar para ele, conversando com ele, eu conversando com ele, brincando com ele, dizendo para ele, " Olha aqui o flugelhorn, eu vou tocar um negócio, um samba aqui , para você ver como é que eu estou tocando samba no flugelhorn, Aí eu fiz aquele pedaço que não tem nada a ver com a música que eu dediquei para ele. Aí na contra capa eles erraram, não entenderam bem o que eu disse e colocaram como se fossem duas músicas, não são duas músicas, aquilo é uma música só Aquilo é a introdução da melodia.
E outro tão importante quanto o Miles Davis, pra mim é tão importante que no Brasil tinha que ter estátua em todo canto, deveria ter, ninguém acompanha, ninguém reconhece nada que é o Jackson do Pandeiro. O que esse homem deu para o Brasil. O que é isso! Tão dando estátua para quem não merece nada. Então esse. Vamos ver se acordam gente, para botar uma estátua. Ele não está pedindo nada não. Ninguém está pedindo nada. É uma obrigação ensinar que foi Jackson do Pandeiro e quem é Jackson do Pandeiro. Principalmente quem é Jackson do Pandeiro, no futuro, para as crianças, para o mundo. Os EUA sabem dar valor a Miles Davis a todos seus músicos, aqui não. Porque não é por causa da estátua, estou falando da estátua como um símbolo. Porque o Jackson do Pandeiro, pelo menos na terra dele, pelo menos na Paraíba tem que ter a estátua dele. E se tem e eu não sei é porque então vocês também são burros e não divulgaram, tem que divulgar também. Então, outro genial também é Borguetinho, esse graças a Deus está aí com a gente para viver mais quinhentos anos. Esse é outro cara que eu não sei porque, eu digo não sei mas eu sei porque, eu não sei eu sinto. É um cara que eu tenho uma afinidade tão grande. Então eu dediquei uma música para ele. Quando eu toquei essa música aí já foi a cara dele. E ele quando escutou a música, ficou parado na música. E eu fiz a partitura e mandei para ele. Mas só que eu acabei gravando primeiro do que ele. Porque minha ansiedade era muito grande de mostrar, sabe como é sei lá de homenagia-lo. E também de fazer isso para ele gravar também logo. E eu quero que ele grave essa música porque será completamente diferente do jeito que eu vou tocar.
 

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